Da lesão olímpica a uma carreira sem fim: Obikwelu será eternamente português
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Jogos Olímpicos de 2000 em Sidney, Francis sai destroçado com uma lesão no joelho que o impede de alcançar a final dos 200 metros. Com apenas 20.71, bem longe dos 19.84 que um ano antes lhe deram o bronze nos Mundiais de Sevilha Obikwelu vive um sonho olímpico desfeito. Um sonho dum menino de apenas 22 anos que tanto queria dar a África uma inédita medalha de ouro olímpica na velocidade.
Obikwelu estava a ter uma carreira ímpar a nível internacional, semi-finalista olímpico em 1996, medalha de prata na estafeta dos 4x 100 com idade de Júnior em 1997 e bronze nos seus primeiros Mundiais ao ar livre em 1999.
Um fracasso olímpico, uma desilusão, um abandono. Assim foi a maneira como a delegação nigeriana tratou Francis. Sem lembrar os feitos da maior pérola africana de todos os tempos, sem lembrar a maneira como Francis fazia ouvir o nome da Nigéria, nos quatro cantos do Mundo, sem lembrar a maneira como Francis lutava praticamente só contra a hegemonia americana na velocidade.
No reverso da desilusão, do abandono e do fracasso milhares de quilómetros a norte, na entrada da Europa Francis recebe apoio, carinho e amizade.
Uma ajuda de um País que o recebeu em 1994 como menino-prodígio dos Mundiais de Juniores com apenas 16 anos. Com uma vida medíocre no seu país de origem, Obikwelu era mais um em busca dum sonho, mais um africano tentado a atravessar o mediterrâneo em busca duma vida melhor.
Foi com este sentimento que Obikwelu, encarou Portugal como a porta da sua vida, uma porta aberta mais tarde para a Europa e para o Mundo. Por isso talvez desse um passo atrás para dar dois à frente. Por isso Obikwelu foi em busca do topo do Mundo. Uma busca que começou a construir civilmente no Algarve com as mãos, os martelos e horas e horas de trabalho forçado… até a um topo, uma glória, uma bandeira. A bandeira de Portugal, o título de campeão europeu de pista coberta nos 60 metros coroado com a mais bela construção da humanidade no seu peito, a torre Eifel dourada em forma de medalha na cidade dos príncipes,Paris onde Obikwelu foi rei.
Talvez seja esta a medalha mais bonita, a medalha simbólica da construção, do esforço de Francis, tão audaz, tão corajoso, tão humano, tão possível e tão impossível. Numa realidade ambivalente da tristeza à eterna glória. Do sofrimento de milhares de homens na construção deste momento, do sofrimento de Francis com saudades da família, da cultura do seu pais, da eterna glória- da cidade mais bonita do Mundo, do monumento mais bonito do Mundo, na cidade dos príncipes… do melhor atleta do mundo, no atleta mais humano do Mundo, do rei do desporto.
Talvez por isso Paris e Obikwelu eternamente se entrelaçaram no recordar da tristeza e no soltar do ânimo da alegria. Mas antes desta glória, muito teve de sofrer Francis… muito tiveram que sofrer muitos homens para construir a Torre Eifel.
A primeira pedra nesta construção duma vida ímpar, duma vida duma personagem utópica que a ficção quis dar à realidade nasceu no Algarve.
No coração dum menino que só queria uma oportunidade, um emprego, um ajuda. Talvez a primeira pedra duma construção gloriosa tenha sido colocada no sapato de Francis. Um entrave, um sacrifício, um desafio duro e difícil. Um objectivo rumo a uma independência de si próprio que só podia ser patenteada com trabalho, nos muros, nas paredes, nos edifícios do Algarve.
Assim iniciou Francis a sua vida em Portugal, trabalhando na construção civil, de solo a solo, com saudades da família, sem amigos, mas com uma vontade, uma determinação, um objectivo. Talvez por isso desde cedo tenha mostrado ao país o ser fascinante que é. Talvez por isso as pessoas tenham entendido que ele merecia bem mais que um emprego nas obras. Por isso Ricardo e Isabel Ferreira adoptaram-lhe. A professora de atletismo encaminhou-o para o Belenenses, para Belém, onde à 496 anos Portugal descolou rumo ao topo do Mundo… onde Francis 496 anos depois iniciou viagem num barco rumo ao topo Mundo, uma viagem interminável onde as pistas ainda não se cansaram da sua rota.
Volvidos três anos ingressa num dos maiores clubes europeus de Atletismo, o Sporting Clube de Portugal, rapidamente se torna figura de proa na velocidade nacional. Apesar de tudo mantém o amor ao seu país de origem e continua a representar a Nigéria. Feitos inéditos, medalhas atrás de medalhas e um legado na velocidade africana que parece mais ficcional que real. Um legado africano construído e treinado em Portugal, desde os muros do Algarve, aos treinos no Sporting, à sua professora, à sua treinadora, aos seus pais adoptivos. Francis vivia num complexo. Um complexo que o interrogava e que mexia emocionalmente consigo. A sua vida estava-se a encaminhar rumo à glória, tinha num país, um apoio, um clube, uma professora que acreditarem em si que o impediram de ser mais uma pérola a rolar encosta abaixo como tantos talentos africanos que acabam submersos numa realidade pobre que todos tentam fugir. Essa mesma realidade que Obikwelu fugiu com as obras no Algarve, essa realidade cada vez mais longe, cada vez mais distante.
Assim a pedra no sapato de trabalhar nas obras rapidamente se transformou num sonho olímpico de glória. Por isso grandes eram as esperanças de Obikwelu de dar uma medalha inédita a África em Sidney. Uma lesão roubou-lhe o sonho construído. Uma lesão acabou com os seus complexos. Com a sua divisão, com os seus dois amores. Nigéria ou Portugal? País de Nascimento… ou país de sonhos? País de oportunistas… ou país de oportunidades? País de mágoa ou país de glória? Rapidamente a as lágrimas no rosto do Francis patenteava o fim da divisão do seu coração.
Portugal era o país onde tinha iniciado o seu caminho, Portugal foi o país que o fez fugir da miséria africana, o país do Tudo. A Nigéria era o país do Nada. O país do esquecimento, na ingratidão perante o seu esforço, do oportunismo perante o seu talento transcendental e invulgar.
Obikwelu chorou de tristeza por desilusão de um país que o viu nascer e que o rejeitou… por os médicos que o obrigaram a deslocar-se ao Canadá pelos seus próprios meios para resolver a sua lesão no joelho.
Mais a norte do Atlântico estava um país de mão estendida, preparado para o receber, preparado para lhe dar o que merece… conquista.
Assim neste trilho de caminhos, nesta opção de escolha o coração de Obikwelu deixou de ser africano e passou a ser português. Em 2001 torna-se cidadão nacional. Em 2002 nos europeus de Munique torna-se o primeiro português medalhado na velocidade. Ouro nos 100 metros, prata nos 200. Era esta a recompensa de Obikwelu a Portugal… Mas era tão pouco o que Obikwelu dava a Portugal comparado com a dívida que sentia. Por isso trabalhou arduamente de 2002 a 2004, agora trocando os muros e as paredes pelas pistas de atletismo. Com mais uma desilusão dos Mundiais de Paris em 2003 Obikwelu arranjou forças para se tornar imortal. Por levar a nossa bandeira, o nosso País, o nosso nome ao topo do Mundo. Uma dura e longa espera até ao dia 22 de Agosto de 2004. Jogos Olímpicos de Atenas, retirada de Maurice Greene, os olhos postos na possível tripla americana, ouro, prata e bronze. Do outro lado, um europeu apenas na Final, um português em busca no topo do Mundo. 21 horas e cinco minutos o país para, roem-se as unhas, as televisões interrompem as emissões… Obikwelu corre rumo ao recorde da Europa 9.86, um centésimo de segundo apenas e seria o 4º campeão olímpico português. Na prova do desporto mais vista em todo o Mundo, na cidade embrionária dos Jogos Olímpicos Obikwelu catapulta Portugal para um patamar de topo retirando a previsível total hegemonia americana. Em todo o Mundo, a sua humildade, o seu recorde e o seu feito foram divulgados, em todo o mundo Francis se tornou conhecido, em todo o Mundo Portugal se fez ouvir.
Obikwelu celebrava, tinha chegado ao cume da montanha, mas a alegria tinha sido todo o percurso doloroso até lá chegar. Ao topo que a pista 8 de Helsínquia um ano depois o fez descer outra vez, com um infeliz 4º lugar nos 100 metros.
Uma descida que nem o duplo ouro nos europeus de Gotemburgo em 2006 conseguiu travar.
A falsa partida dos Mundiais de Osaka em 2007, a nova desilusão Olímpica de Obikwelu em 2008…
Em Pequim, Obikwelu voltou a abrir telejornais, desta vez para anunciar a sua renúncia à selecção, à sua renúncia à alta competição.
Obikwelu sentia-se ingrato perante Portugal, queria-nos dar outra medalha, queria fazer ainda mais história e tornar-se mais imortal. Os portugueses partilhavam a tristeza de Francis e pediam para reconsiderar. Francis já tinha ganho tudo por Portugal, não queria dar mais tristezas ao nosso País.
Mas tal como em 1994 acolhemos Francis do nada, em 2009 fizemo-lo crer que precisamos dele e que ele precisa de nós. Precisamos dele para continuar a construir uma das mais belas páginas do desporto nacional, ele precisa de nós, porque merecia mais do que 3 títulos europeus e uma medalha olímpica.
Nesta conciliação Obikwelu regressa à selecção apenas em 2009 para a estafeta de 4x100 metros. Bate o recorde nacional e apura-nos para os mundiais de Berlim.
Estava dado mais uma vez a inversão de marcha na vida de Francis, o retomo a uma carreira que outrora foi de sucesso… mas que ainda tinha muito para dar.
Em 2010 regressa ao mais alto nível internacional, participa nos europeus ao ar livre nos 100 metros. Um pedaço de ombro, uma fotografia, um slide, impediu de ser o primeiro europeu a ganhar 3 medalhas seguidas nos 100 metros. O 4º lugar, dias mais tarde a presença histórica da estafeta 4 x 100 na final.
No término do ano, numa nova fase da carreira, num renascer das cinzas, no renascer da crença… sem a pressão de vitórias de quem já conquistou tudo… com o ressuscitar do divertimento do atletismo Obikwelu afirma que compete apenas para se divertir. E que retomará sem pausas a sua carreira ao mais alto nível.
Assim renasce em si a alegria, o dever de querer e crer dar uma medalha única a Portugal em Pista Coberta.
Por isso aproveita as novas instalações do Jamor e num trabalho único e irrepetível treina com Nélson Évora e o seu treinador, técnica de saltos - o segredo mais bem guardado da velocidade europeia.
Um trabalho que lhe permite explodir na partida. Domingo, 6 de Março de 2011 Obikwelu destrona na sua própria casa o primeiro caucasiano a baixar dos 10 segundos nos 100 metros e o actual campeão Mundial de pista coberta (Chambers), sagrando-se campeão europeus nos 60 metros planos.
Obikwelu uma vida dum ser humano extraordinário que mais parece um filme de Hollywood. Com alegrias e com tristezas, com Portugal subiu e desceu ao topo da montanha, com Portugal sorriu, com Portugal chorou, com Portugal sofreu desde os muros do Algarve à desilusão olímpica de Pequim, com Portugal celebrou desde o seu profissionalismo no Atletismo, à sua qualidade de vida, à glória olímpica, ao topo Europeu.
Porque só Francis nos emociona e nos torna humanos ao ponto de recuarmos a nossa história e esquecer o seu lado ficcional, porque só Portugal torna Francis no ser humano fantástico ao ponto de recuar na sua ambição de 16 anos e esquecer a ficção do seu sonho desportivo. Porque Portugal e Francis caminharam eternamente de mãos dadas, Portugal será eternamente o País de Francis e Francis será eternamente Português.
By João Perfeito