Porque a vida também é feita a correr...
Coração, arte defensiva, capacidade física e … Sonho Europeu de Abramovich concretizado
O Chelsea sagrou-se campeão europeu, pela primeira vez na sua história, ao derrotar o Bayer Munique, na casa deste, nos penaltys após um empate a uma bola que findou o tempo regulamentar e o prolongamento.
Nove anos depois de milhões e milhões de investimentos, Abramovich vê finalmente o seu sonho europeu realizado, na época onde nada o faria prever.
A nível interno, o Chelsea de 2011/2012 é claramente uma equipa diferente das pretéritas 8 épocas sob o reinado do multimilionário russo.
Ao longo da sua estadia em Chelsea, Abramovich conseguiu 9 presenças consecutivas nos oitavos-de-final da Champions e 8 pódios consecutivos na Premier League abrilhantados com três ceptros nacionais.
Para recuperar o título perdido na época transacta face ao novo (em função da história do Chelsea) rival Manchester United, Abramovich não hesitou em pagar 15 milhões de euros por André Villas-Boas, fazendo a transferência mais cara da história de treinadores.
Após uma época de grandes epopeias na cidade invicta Villas-Boas tinha em Stanford Bridge um enorme desafio para a sua curta mas ambiciosa carreira… Apesar da confiança, do estilo inovador e da natural competência que o catapultaram para a elite europeia em tenra idade, Villas-Boas não soube entender a conjuntura humana e futebolística da equipa blue.
Com o ego elevado, depois duma época apoteótica em solo nacional, Villas Boas olhava para o Chelsea como uma forma de dar continuidade às suas ideias de futebol alegre onde o rigor da posse de entrecruza permanentemente com a fortíssima capacidade de sair em transicção.
Numa equipa com um ADN claramente definido, que passado 4 temporadas ainda vivia à imagem do grande criador identitário do Chelsea de Abramovich (Mourinho) Villas-Boas via o seu espaço de manobra cada vez mais reduzido.
Num plantel onde a maturidade e estatuto de Cech, Terry, Cole, Lampard, Essien, Malouda e Drogba se intersectava com a astúcia e capacidade inovadora de David Luiz, Oriol Romeu, Ramires, Raúl Meireles, Sturridge e até Torres (pelo sistema de jogo do Liverpool claramente distinto).
Dois pólos amplamente antagónicos, onde a homogeneização indispensável para o sucesso da equipa seria um desafio em que a imaturidade de André Villas Boas (ainda) não sabia responder.
Foi neste contexto de mescla de continuidade e mudança que se construiu o fracasso do mais jovem promissor treinador do Planeta.
O Chelsea de 2011/2012 era uma equipa ao contrário das épocas anteriores, desacreditada do seu valor, pela constante quebra de auto-estima do núcleo duro do plantel. Para além disso, este Chelsea inovador de Villas-Boas tinha em Mata e Meireles as suas principais contratações o que patenteava um claro abrandamento de investimento financeiro comparativamente com as épocas passadas.
O Chelsea parecia uma equipa onde as suas unidades de peso iam envelhecendo e a tão precisa renovação estava órfã de qualidade para a substituir. Os resultados foram pois por isso, durante a estadia de André, um autêntico fracasso a uma prestação interna que já não se via desde 1995/1996.
Com pouco tempo para injetar confiança e muito menos para a solidificar o Chelsea de 2011/2012 necessitava, pois de uma ampla mudança técnica que findasse os problemas futebolísticos e de balneário da equipa ao mesmo tempo que recuperava um pouco do seu ADN legado de José Mourinho.
Sem hesitar Abramovich voltou a puxar dos cordões à bolsa e pagou uma astronómica cláusula de rescisão a Villas-Boas, tornando-o o desempregado mais rico da europa e apostando em Di Matteo “como o milagreiro salvador” para escassos três meses.
Com um conhecimento profundo do clube londrino, depois de ter sido jogador durante 6 anos, com uma cultura de futebol italiano altamente desenvolvida Di Matteo montou uma equipa física, mental e estrategicamente talhada para os jogos a eliminar. Com o campeonato perdido, a Taça e a Champions eram as únicas possibilidades de sucesso dos blues.
E foi com Di Matteo ao leme que o Chelsea recuperou a confiança e em três meses se construiu como a melhor equipa do futebol europeu.
Sem tempo nem vontade de construir algo novo, Di Matteo preocupou-se sobretudo em recuperar a cultura táctica do Chelsea, o posicionamento defensivo exímio e o ataque demolidor que na última década abrilhantaram os mais belos palcos da Europa do futebol.
Foi deste modo que jogadores como Terry, Lampard e Drogba recuperaram a sua confiança e resiliência dando ao grupo um sentido unitário altamente eficaz. Do mesmo modo David Luiz, Raúl Meireles, Ramires, Mata e Torres entenderam o seu lugar na equipa e construíram um upgrade inovador extremamente útil à equipa, num contexto onde os antagonismos com o núcleo duro estavam já findados.
O Chelsea recuperava assim um balneário, abolia as divisões entre dois estilos de futebol e começava a reconstruir a cultura do seu jogo.
Ultrapassando os transalpinos Nápoles e superiorizando ao surpreendente Benfica o Chelsea estava nas meias da Champions e tinha frente ao todo-poderoso Barcelona o grande desafio da sua história.
Com uma consistência defensiva, mentalidade ganhadora e transicção ataque amplamente melhoradas, o Barcelona era a equipa ideal para o Chelsea se apurar para a final, sendo por isso na minha óptica o grande favorito para a vaga da final de Munique.
Do ponto de vista psicológico era uma equipa talhada para jogos a eliminar, com um extraordinário à vontade resultante da desresponsabilização de apuramento criada pelos media. O favoritismo estava todo do lado do Barça, o nervosismo era algo inexistente em Stanford Bridge.
Do ponto de vista meramente futebolístico, o encurtamento de espaços defensivos, a extraordinária aglomeração de jogadores no seu meio-campo, a concentração elevada ao expoente máximo e uma das melhores transicções atacantes do futebol actual eram tudo ingredientes que previam a quebra do tiki-taka e o aproveitamento do débil rendimento defensivo blaugrana.
Mas nem tudo foram rosas para a equipa blue, nesta recta final da odisseia europeia mais fantástica dos últimos anos.
Ao minuto 12 da segunda mão frente ao Barça, o Chelsea perdeu Cahill por lesão e aos 37 minutos viu a dupla de centrais completamente desfeita com a expulsão de John Terry, resultante da agressão bárbara a Alexis Sanchéz. Depois de estar a perder por 1-0, Iniesta aumentou o score para 2-0 colocando a equipa blaugrana na pole position para a final.
Contudo o Chelsea num ápice operacionalizou a reviravolta. Com uma jogada fantástica de sincronização entre Lampard e Ramires, o chapéu incrível do queniano azul calava Camp Nou e o Chelsea reerguia-se na eliminatória.
A resiliência blue foi mais uma vez testada pelo penalty cometido sobre Messi. O astro argentino voltou a falhar em momentos capitais e o coração do Chelsea mostrava ter mais vidas.
Com uma capacidade física invulgar para jogadores de futebol, uma concentração defensiva extraordinária e uma tranquilidade permanente a criatividade defensiva do Chelsea (Bosingwa a central e Ramires a lateral direito) ofuscava o célebre tiki-taka blaugrana, montando uma teia defensiva que atirou para os livros da história do futebol o estilo de jogo do adversário.
O mal-amado Torres entrou a 10 minutos do fim, defendeu, correu e marcou o 2-2 final. Calou Camp Nou e catapultou a arte defensiva do futebol para a Allianz Arena de Munique.
Com 4 jogadores castigados, todos eles importantíssimos (Terry, Ivanovic, Raúl Meireles e Ramires), com Cahill com pouco tempo para recuperar de lesão, jogando na casa do poderosíssimo Bayer Munique, só com a Champions por conquistar, o Chelsea tinha neste final da sua saga um teste onde mais uma vez era colocado como outsider.
Fazendo valer todo o seu valor patenteado nas eliminatórias anteriores, mantendo o mesmo estilo de jogo, o Chelsea jogou nesta final com as mesmas armas e alcançou os mesmos resultados- Glória surpreendente.
Soube neutralizar os desconcentrantes Robben e Ribery, banalizou Goméz e ofuscou Schweinsteiger a um construtor de jogo intranquilo.
No meio-campo Lampard foi a bússola da equipa, pautando os batimentos cardíacos da equipa e dando-lhe a resiliência necessária para a concretização de tudo este feito heroico.
No ataque Drogba foi um gladiador: nos duelos, no golo, na alma, na crença duma equipa que mais do que nunca sentiu que a glória europeia estava cada vez mais próxima.
Mas mais uma vez o destino quis atraiçoar os blues, mas o Chelsea voltou a operacionalizar uma capacidade de superação fantástica e recuperou… Do golo de Muller, ao penalty falhado de Robben, à desvantagem nos penaltys…
O Chelsea superou tudo, venceu todos os desafios, ultrapassou todos os obstáculos, com ou sem o seu melhor onze e sagrou-se pela primeira vez na História- campeão europeu.
Chelsea um justo prélio para uma equipa que finalmente abandonou a tónica dos milhões, fez da sua coragem, coração, resiliência, alma- a sua grande tónica para a vitória. Admitiu as suas limitações, construiu-se a partir delas, deu-nos a arte futebolística numa plataforma defensiva, construiu um estilo de jogo de contenção e transicção inovador e finalmente desfilou na passadeira hegemónica do futebol europeu inscrevendo as sete letras do seu nome no Historial de vencedores da mais importante prova de clubes do Mundo.
Chelsea- uma equipa, um sonho, uma realidade. A constatação da relatividade do futebol na sua expoente máxima. O melhor entre os melhores (competições europeias), mesmo sendo pior entre piores (nível interno).
A consagração duma equipa que prova que o futebol não é matemática pura e resultados certos, mas sim uma equação com incógnitas desconhecidas que nos dão resultados surpreendentes…
Parabéns Chelsea…