APOEL- O expoente máximo actual da colectivização do futebol (século XXI)
APOEL, equipa sediada em Nicósia, Chipre venceu o grupo G da Liga dos Campeões. No presente grupo figuravam 3 dos últimos 4 vencedores da Liga Europa: Zenit, Schaktar e FC Porto.
Na antecâmara de mais uma edição da liga milionária o conjunto cipriota ao saber que encaixava perante 3 das melhores equipas da segunda linha europeia assumia amplos receios da sua prestação. A humildade e o reconhecimento das suas limitações perspectivavam que o conjunto cipriota assumisse apenas como objectivo principal deixar a marca da evolução do futebol no seu país, visto que superar algum destes gigantes parecia uma utopia. Assim o 4º lugar parecia uma inevitabilidade.
6 jornadas depois, os cipriotas venceram o grupo atirando para a Liga Europa o todo-poderoso Futebol Clube do Porto e deixando os 12º do Ranking europeu, Schaktar Donest a verem as competições europeias pela televisão.
6 jornadas depois mantendo o discurso cauteloso, o reconhecimento das limitações e uma ambição prudente o APOEL continua sem pressão a perfumar a Champions com o seu futebol…
No fundo, o APOEL não é mais que o triunfo da colectivização do futebol actual.
Assente numa forte estrutura directiva e organizacional o APOEL é a principal marca do crescimento do futebol cipriota. Numa espécie de aprendizagem com a sua vizinha Grécia, pode-se dizer que o jogador cipriota tem crescimento de forma vertiginosa nos últimos anos. A cultura táctica que têm, a solidariedade com os companheiros e as rápidas transições atacantes para o espaço vazio são apanágios desta evolução. Ainda sem a técnica e agilidade dos vizinhos soviéticos o jogador cipriota olha sempre mais para o lado do que para si próprio, a progressão com bola é nula, a progressão sem bola é fora-de-série.
Depois aproveita os restos… O resto de jogadores que não figuram no campeonato nacional: Hélio Pinto, Nuno Morais e Paulo Jorge. O resto de brasileiros desconhecidos…
A qualidade individual de cada jogador está longe de ser estratosférica. A capacidade que cada elemento tem para progredir com a bola, rematar e fazer um passe fantástico é muito pouca…
Contudo a eficácia da equipa não prima no mesmo diapasão. Assente numa excelente estrutura defensiva médio-pressionate, o APOEL consegue asfixiar a zona da bola, impedindo passes diagonais para o meio, verticalidades laterais perigosas e uma largura fluente perto da sua área. Obriga o adversário a alargar o seu jogo, mas sempre metendo a bola para trás e recuando, jogando num ritmo baixo. Apesar da pressão não ser individualmente asfixiante, até porque isso provocaria imensos espaços nas suas costas condiciona sempre o jogo do adversário. A elevada capacidade física e o sentido posicional são outras premissas que permitem com que a regularidade seja também um apanágio da prestação defensiva da equipa, não permitindo desequilibrar-se ao longo dos 90 minutos.
Ofensivamente, fruto do seu desenho táctico defensivo é uma equipa talhada para transições rápidas. Não defendendo num bloco amplamente horizontal, consegue facilmente no momento pós recuperação ter simultaneamente linhas de passe curtas e linhas de passe médios para as alas. Isto permite à equipa raramente perder a bola após o ganho e rapidamente soltar a bola em espaços vazios nas alas. Este movimento táctico não acaba aqui à espera da explosão dos alas. Os alas tem sempre tendência para ou flectirem ligeiramente para o meio, ou fazerem o movimento vertical longe da linha lateral, permitindo a um colega comer esse espaço e fazer dois para um na lateral. No fundo apesar de existir pouca progressão individual, a bola está sempre a rolar, a dois/três toques, o espaço lateral e central está sempre a ser privilegiado de forma alternada, conseguindo numa primeira fase incisão/rapidez/cultura de desmarcação e numa segunda largura/jogo interior/superioridade numérica. Fundamentalmente aquilo que distingue o APOEL dos seus adversários é a sua inteligência. A forma como defensivamente se organiza, interpretando o espaço/bola numa equação resolvida com a maior rapidez. A forma como se desmonta para o ataque, interpretando o espaço vazio e a pouca qualidade de transicção do adversário (que se vê obrigado a atacar com muitos homens). A capacidade que tem para soltar a bola no momento exacto, fazendo com que ao adversário falhe sempre o timing de pressão.
A incapacidade individual permite à equipa ter um leque de soluções de passe mais variado, em função da desmarcação e não da qualidade individual. Permite à equipa nunca se agarrar à bola e nunca deixar que um jogador fique desacompanhado.
Seja a defender ou atacar esta equipa pensa primeiro que o adversário. Adivinhando os seus movimentos ofensivos e fazendo um quadrado defensivo que tira duas/três linhas de passe, percebendo o espaço vazio para colocar a bola e posteriormente movimentar-se para ter “uma profundidade colectiva”.
Jogando nas costas do adversário, obrigando-o a perder bolas…
Este APOEL é um dos triunfos do futebol século XXI. Enquanto jogo colectivo, em que o todo é mais que a soma das partes, enquanto reconhecimento das limitações individuais e através disso produzir uma colectânea de jogadas sincronizadas fantásticas, enquanto jogo rápido e solto, fazendo a bola correr em vez dos jogadores, enquanto movimento de aproximação ao portador da bola.
Concluindo a inteligência, perspicácia, táctica, enquadramento das estratégias do adversário, sincronização, movimento sem bola, rapidez de recepção e execução são características do futebol moderno repercutidas da evolução do futebol enquanto jogo. Da forma como a sua complexidade aumenta e obriga as equipas a redimensionarem as suas características e a jogarem como tal produzindo uma identidade colectiva e um pedigree táctico altamente capacitado.
A finta, a técnica, a agilidade, o remate explosivo antes de serem entendidos como momentos individuais precisam de ser encaixados nestes novos conceitos emergentes do futebol actual…
Por isso mais que a organização, a chave do sucesso da APOEL é o seu respeito pela concepção actual de jogo de futebol.
Fazendo da inteligência, seriedade e compromisso identitário os seus principais ingredientes para toda esta fascinante Odisseia. Mais que respeitar o adversário, o APOEL respeita-se primeiro a si próprio percebendo o que é capaz de fazer ou não no jogo, deixando no jogo a sua identidade e não sabendo jogar doutra forma. Por enquanto continua a dar resultado. Será que esta consistência colectiva tem telhados de vidro…? Não estará a dar o futebol cipriota um passo maior que a perna? Os próximos dois capítulos certamente nos ajudaram a ter uma ideia mais exacta e conclusiva.