19
Dez10
Porque ao Sábado se destaca
Minuto Zero
Porque todos nós temos o direito de sonhar-Kalai
O sonho comanda a vida… Esta é uma das maiores máximas de vida que sabemos, mas que raramente interiorizamos. Acomodámos com o pouco que temos e não lutámos pelo muito que nos falta. Não damos valor às coisas porque elas aparecem feitas, temos um tecto para viver, temos comida e temos oportunidade de estudar. Mas existem pessoas que não têm essa oportunidade e que pela sua perseverança hoje são muito melhores do que qualquer um de nós e hoje tocam com as pontas dos dedos no topo do Mundo.
Um desses exemplos é Youssef El Kalai, o português naturalizado, de origem marroquina que conquistou no passado domingo a medalha de bronze nos europeus de corta-mato.
Com apenas 20 anos El Kalai foi uma de 70 pessoas que num de muitos barcos tentou fugir à mediocridade da vida em Marrocos. Fugiu num barco clandestino rumo a Espanha. Ficou três dias sem comer no mato à espera que o fossem buscar. Depois com medo que a polícia espanhola o fizesse regressar a Marrocos veio com mais dois amigos para Portugal. Trabalhou desde restaurantes a empresas de cortiça ou reciclagem de papel. Os primeiros tempos foram difíceis não tinha condições de ser atleta a tempo inteiro. Apenas em 2007 chegou a um clube de top, o Benfica e um ano depois transferiu-se para o FC Porto. Em 2009 naturalizou-se português e assinou pela Conforlimpa, que juntamente com o Maratona são duas equipas portuguesas de gabarito europeu no atletismo.
Esta cronologia da sua vida espelha que Kalai sempre foi melhorando a sua vida, mas desde os seus 20 anos em que fugiu com medo de ser apanhado até ao presente onde foi medalha de bronze no europeu, o caminho esteve longe de ser fácil.
Mas Kalai com uma perseverança e um espírito de vitória inigualável lutou, treinou, mas sobretudo sonhou. Sonhou, como que a cada momento que as lágrimas lhe escorriam pela face com saudades da família, seriam substituídas por lágrimas de glória, lágrimas de consagração. Kalai para além de ser um grande atleta é sobretudo um grande homem.
Não me esqueço de certos Sábados que o vejo a treinar no Estádio Jamor com os seus colegas, sempre com um sorriso nos lábios, sempre motivado para treinar, sempre predisposto a aprender. Tem uma relação quase de pai e filho com o seu Treinador Eduardo Henriques. Às vezes apercebo-me que enquanto outros atletas acenam coma cabeça, Kalai, ouve primeiro e acena depois, respeita o seu líder para ser respeitado. Talvez por isso num mundo do atletismo, em que falo por experiência própria, os boatos e os comentários menos positivos sobre os outros sejam uma constante, para Kalai, não.
O lema de Kalai é respeitar, para ser respeitado. Talvez por isso seja ele um dos líderes da equipa, talvez por isso todas as pessoas gostem de falar com ele.
Por isso Kalai afirmou que se tivesse que partilhar a sua medalha com todos os que o ajudaram, ficava com uma pequena parte para si. Sim, porque apesar do mundo egoísta em que vivemos, seres humanos como Kalai são raros e ninguém consegue ficar indiferença à sua luta e ao seu esforço e neste momento à sua glória.
Kalai saiu de Marrocos em busca dum sonho, ganhar uma medalha internacional, conseguiu, agora depois de 4 anos sem ver a família pode regressar a casa e mostrar a toda a sua gente que valeu a pena. Valeu a pena, as lágrimas, os tempos de solidão, os trabalhos forçados porque hoje cresceu como atleta e cresceu como homem. Hoje é uma das referências do fundo europeu. Hoje? Sim, hoje, ontem era uma miragem. Kalai sem condições tornou o desumano no humano, o impossível no possível, o sonho na realidade. Porquê? Porque lutou, acreditou e trabalhou. Agora tem a Europa nas mãos dele.
Kalai deixa uma mensagem a mim, a ti, a nós. Estamos à espera do que para lutarmos pelos nossos objectivos e de nos tornarmos como Kalai transcendentais?
Simplesmente de nada, porque na verdade como se costuma dizer tudo vale a pena quando a alma não é pequena.
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fonte: Rádio Renascença |
By João Perfeito