07
Dez10
Em Frente
Minuto Zero
Memória e História
A História é algo estranha de perceber em determinados momentos. Certos acontecimentos de menor relevo vão permanecendo na nossa memória, outros marcantes nem por isso. No desporto passa-se exactamente o mesmo. Eu posso saber que o Carlos Lopes ganhou uma medalha de ouro, mas não sei quem passados quatro anos conquistou o mesmo feito na Maratona. Sei que a Vanessa Fernandes foi medalha de prata nos últimos Jogos Olímpicos, mas não me recordo quem foi a campeã olímpica.
Esta semana deparei-me, num determinado espaço online, com dados curiosos relativos a uma competição disputada em Portugal entre os anos 1922 e 1938 e que muitos teimam em omitir da História da modalidade no nosso país. Refiro-me ao Campeonato de Portugal, prova que consagrava o campeão da modalidade. O modelo desta competição (uma fase preliminar – os Campeonatos Regionais – e, posteriormente uma fase a eliminar) era idêntico ao realizado em países como a Alemanha (a qual utilizou este modelo até aos anos 50 para definir o seu campeão). No entanto, com o passar dos anos haveria de ser alvo de reformulação…
A partir dos anos 30 começou a ponderar-se a criação de uma liga ao estilo inglês (modelo idêntico ao dos dias de hoje), de forma a consagrar o campeão. Esta só ocorreria desde que não se prejudicasse o desenrolar do Campeonato de Portugal, que se manteria a competição principal no país, continuando a atribuir o título de campeão. Assim, enquanto determinados clubes continuaram a apostar na competição iniciada em 1921 (como é o caso do Sporting Clube de Portugal), outros decidiram centrar os seus esforços na nova competição, ainda que esta não fosse oficial, encontrando-se em fase experimental.
Fonte: Blog Longara |
No entanto, em 1938, em congresso da Federação Portuguesa de Futebol, o Campeonato da Liga tornou-se a competição principal em Portugal, passando a definir o campeão nacional. Por sua vez, o Campeonato de Portugal deu lugar à Taça de Portugal, competição complementar da primeira.
A memória até esse ponto não falha. O problema vem depois.
Entre 1921 e 1938 foram diversos os clubes que conquistaram o Campeonato de Portugal. O Sporting e o Futebol Clube do Porto (quatro vezes cada), o Sport Lisboa e Benfica, o Futebol Clube “Os Belenenses” (ambos três vezes), o Carcavelinhos F.C., o C.S. Marítimo e o Sporting Clube Olhanense (uma vez). No entanto, nos meios de comunicação, esses títulos foram sendo desprezados.
No período experimental do Campeonato da Liga, o Benfica conquistou a competição por três vezes (mesmo número de vezes que conquistou o Campeonato de Portugal) e, nesse sentido os benfiquistas foram sempre colocando em causa a competição mais antiga. Alegavam que era uma competição menos exigente, que correspondia a uma fase em que a modalidade dava os primeiros passos no país, etc…
Os campeões nacionais no período em que ocorreu o Campeonato de Portugal são esquecidos hoje em dia, em grande parte devido ao fomentar da posição do clube encarnado (que sempre foi fazendo pressão de forma a que os títulos do campeonato experimental fossem aceites, em detrimento dos da competição anterior, uma vez que eram o único clube que não saía prejudicado no número de títulos conquistados). Se de outra forma fosse, o Benfica ainda hoje manteria o mesmo número de títulos, mas veria os seus rivais aproximarem-se bastante no número de campeonatos conquistados. Aliás, se se tivessem em conta esses títulos, o Futebol Clube do Porto passaria a ser considerado o clube mais vezes campeão nacional (34 vezes).
Infelizmente, o argumento benfiquista para que esses títulos fossem retirados da contagem nunca foi utilizado pelos menos no que diz respeito à Taça dos Campeões Europeus. Uma competição menos exigente e disputada somente em eliminatórias, correspondente a uma fase em que o futebol europeu dava os seus primeiros passos.
A memória tende a esquecer alguns factos, outros não. Haverá uma razão especial para tal?
by Jorge Sousa